14/03/2024
O “Aviso de Miranda” evita o "nemo tenetur se detegere = não produzir provas contra si mesmo"
A autoridade policial responsável pela prisão de uma pessoa, tem a obrigação de lhe informar sobre seu direito de não produzir provas em seu desfavor, ou seja, informar-lhe do seu direito ao silêncio?
No ato da prisão, a autoridade é obrigada a formalizar o “Aviso de Miranda”?
“Você tem o direito de ficar calado. Tudo o que disser pode e será usado contra você no tribunal”.
Esta frase ficou muito conhecida entre todos e tem sua origem nos Estados Unidos da América, no caso Miranda Vs. Arizona (1966).
Para falarmos sobre esse assunto, é importante lembrar que está previsto em nossa Carta Magna, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, LXIII, que o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado. Assim, é obrigação da autoridade responsável pela prisão de alguém, informar-lhe sobre esse direito de não produzir provas contra si mesmo. Em assim não fazendo, e sendo constatado que tal omissão causou prejuízo ao réu, a prisão é NULA de pleno direito, já que esta omissão do representante do Estado viola garantia fundamental do indivíduo.
Contudo, embora a Constituição Federal estabeleça esta obrigação por parte da autoridade responsável pela prisão, de formalizar o "Aviso de Miranda", dando transparência ao direito ao silêncio, de acordo com o STJ, se o investigado, mesmo não alertado sobre seu direito, mas ficar calado, não haverá ofensa ao referido artigo constitucional:
"A alegação de ofensa ao aviso de Miranda se esvazia quando o acusado exerce efetivamente o seu direito ao silêncio, ficando calado, em sede policial. (AgRg no HC 846.197/GO, relator ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 4/12/23, DJe de 12/12/23.)"
De qualquer forma, a ausência do Aviso de Miranda, para aquele que confessa informalmente (ainda no local dos fatos) gera nulidade da prisão, e é esse o entendimento também pacificado no STJ:
"HC 22371 / RJ. Habeas corpus. Pedido não examinado pelo tribunal de origem. Writ não conhecido. Prova ilícita. Confissão informal. Ordem concedida de ofício para desentranhar dos autos os depoimentos considerados imprestáveis. Constituição federal. Art. 5º, incisos LVI e LXIII. 1 - Torna-se inviável o conhecimento de habeas corpus, se o pedido não foi enfrentado pelo Tribunal de origem. 2 - A eventual confissão extrajudicial obtida por meio de depoimento informal, sem a observância do disposto no inciso LXIII, do artigo 5º, da Constituição Federal, constitui prova obtida por meio ilícito, cuja produção é inadmissível nos termos do inciso LVI, do mencionado preceito. 3 - Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício".
O STF – Supremo Tribunal Federal, também entende que a Constituição da República assegura aos indivíduos não apenas o direito ao silêncio, mas também o de ser informado da possibilidade de permanecer calado, quer seja no local dos fatos ou ainda em sede policial ou judiciária, contudo tal assunto ainda segue pendente de julgamento.
À luz do art. 563 do nosso Código de Processo Penal temos que nenhum ato será declarado nulo, se desta nulidade não resultar prejuízo para a defesa. Isto é, se a omissão intencional do representante do Estado for capaz de reunir provas em desfavor do preso, e essas provas servirem para o agravamento de sua responsabilidade, ou para apuração de novas infrações penais, a prisão e as provas decorrentes desta ilegalidade deverão ser declaradas nulas, uma vez que a omissão intencional foi capaz de prejudicar o direito de defesa do preso.
No julgamento do Agravo Regimental no HC 872.775/GO, de relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 6/2/24, DJe de 14/2/24, onde se buscava a declaração de nulidade das provas decorrentes de prisão em flagrante realizada por guarda municipal, a Corte entendeu que a ausência de demonstração de prejuízo inviabiliza o conhecimento da tese defensiva:
"Relevante registrar, outrossim, que a falta de informação ao direito ao silêncio na fase do inquérito policial constitui nulidade relativa, a qual, além de necessidade de alegação oportuna, necessita da demonstração de efetivo prejuízo, o qual não foi evidenciado na espécie."
Já em outro caso analisado pelo STJ, onde foi demonstrado que a suposta confissão informal do preso aos policiais responsáveis por sua captura causou evidente prejuízo à defesa, uma vez que a condenação originária adotou como um dos fundamentos o excesso de credibilidade dos próprios executores da prisão. Assim, foi dado provimento ao recurso, decretando-se a absolvição do recorrente. Conforme se verifica em trechos da ementa desse julgado:
"Foi exatamente o que ocorreu no caso deste RESP. O tribunal incorreu em injustiças epistêmicas de diversos tipos, seja por excesso de credibilidade conferido ao testemunho dos policiais, seja a injustiça epistêmica cometida contra o réu, ao lhe conferir credibilidade justamente quando menos teve oportunidade de atuar como sujeito de direitos. A confissão informal - se é que existiu - não tem valor como prova, no sentido processual, configurando-se equivocada a postura de aceitar acriticamente que o investigado fala a verdade em cenário carente das mínimas condições para atuar livre e espontaneamente." REsp 2.037.491/SP, relator ministro Rogerio Schietti Cruz, sexta turma, julgado em 6/6/23, DJe de 20/6/23
Como já dito acima, se encontra pendente de julgamento no STF, em assunto com repercussão geral reconhecida (Tema 1.185), a análise da obrigatoriedade de os policiais formalizarem o “Aviso de Miranda” no momento da prisão, conforme a seguinte ementa:
"Ementa: CONSTITUCIONAL. PROCESSO PENAL. ART. 5º, INCISOS LXIII E LIV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRESO. DIREITO AO SILÊNCIO. INTERROGATÓRIO INFORMAL. QUESTÃO RELEVANTE DO PONTO DE VISTA SOCIAL E JURÍDICO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. A controvérsia acerca da obrigatoriedade de o Estado informar ao preso do direito ao silêncio no momento da abordagem policial, e não somente no interrogatório formal, é tema constitucional digno de submissão à sistemática da repercussão geral. (RE 1177984 RG, relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 2-12-21, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-019 DIVULG 2-2-22 PUBLIC 3-2-22)"
Enquanto esta celeuma não é resolvida pela Suprema Corte, deve ser levado em consideração que o entendimento que hoje prevalece no âmbito do STJ é de que a legislação processual penal não exige que os policiais, no momento da prisão, formalizem o “Aviso de Miranda”, desde que esta omissão não gere prejuízo ao réu jurisdicionado.
"A legislação processual penal não exige que os policiais, no momento da abordagem, cientifiquem o abordado quanto ao seu direito em permanecer em silêncio (Aviso de Miranda), uma vez que tal prática somente é exigida nos interrogatórios policial e judicial". (AgRg no HC 809.283/GO, relator ministro Reynaldo Soares da Fonseca, quinta turma, julgado em 22/5/23, DJe de 24/5/23.)
Portanto, atualmente, o Direito ao Silêncio, o "Aviso de Miranda", é um direito absoluto, sendo relativisado, pois ainda depende de verificação do binômio prejuízo x influência da confissão informal para uma eventual condenação. Isto é, se o réu soubesse que, durante a prisão (local dos fatos), o seu silêncio conduziria à absolvição, ou que a sua condenação teve como um dos fundamentos(prova principal) a confissão informal perante a autoridade responsável pela prisão, restará caraterizado o prejuízo decorrente da omissão do Estado, o que levará à nulidade da prova colhida sem a observância ao art. 5º, LXIII, da Constituição Federal.
Aguardemos as cenas dos próximos capítulos desta novela inglória.
Diego Lopes Oliveira Almagro
Advogado Criminalista
Fontes:
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Código de Processo Penal - Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941.
Código Penal - Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
RE 1177984 RG, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 02-12-2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-019 DIVULG 02-02-2022 PUBLIC 03-02-2022.
STJ - HC: 22371 RJ 2002/0057854-0, Relator: Ministro PAULO GALLOTTI, Data de Julgamento: 22/10/2002, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 31.03.2003 p. 275 JBC vol. 47 p. 137 RSTJ vol. 173 p. 452
AgRg no HC n. 872.775/GO, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 6/2/2024, DJe de 14/2/2024.
AgRg no HC n. 809.283/GO, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/5/2023, DJe de 24/5/2023.
AgRg no HC n. 846.197/GO, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 4/12/2023, DJe de 12/12/2023.
REsp n. 2.037.491/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 6/6/2023, DJe de 20/6/2023.