22/05/2025
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que provas obtidas por meio de um celular encontrado na cena do crime podem ser válidas, mesmo sem autorização judicial. No caso em questão, um assaltante deixou cair seu celular durante uma fuga e a polícia analisou o aparelho para identificá-lo. Embora o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tenha considerado essa prova ilegal, o STF restabeleceu a condenação do assaltante.
Esta discussão ocorreu na sessão Plenária dessa quarta-feira (21), no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1042075, sob a relatoria do ministro Dias Toffoli.
Contudo, a decisão foi unânime. Toffoli votou por restabelecer a condenação, e sua posição foi acompanhada por todos os ministros. Cristiano Zanin destacou que esse entendimento só foi possível porque a perícia ocorreu antes da Emenda Constitucional (EC) 115 e do Marco Civil da Internet, que passaram a proteger os dados pessoais como um direito fundamental.
Alexandre de Moraes, comparou acesso a celular de suspeito a carta ou carteira perdidas. Disse: "Se o caso fosse idêntico, mas ao invés do celular, deixasse cair no chão um envelope com uma carta com inscritos, a polícia não poderia olhar para tentar localizar?", questionou o ministro.
Moraes ponderou ainda que a própria conduta do suspeito, ao derrubar o celular enquanto fugia, foi o que permitiu a apreensão e justificou o acesso imediato pela polícia.
"A situação que permitiu a apreensão foi provocada pelo agressor. Ou seja, ele se colocou numa situação que passa a permitir a possibilidade do encontro fortuito de qualquer documento."
Para ele, o celular, nesse tipo de situação, deve ser visto como uma extensão moderna de documentos pessoais tradicionais, cuja apreensão é prevista no art. 6º do CPP, que disciplina as providências imediatas da autoridade policial ao tomar conhecimento de uma infração penal.
Já o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, defendeu uma tese que permite o acesso a dados de celulares encontrados por acaso na cena do crime, mas apenas para identificar o autor, sem que o aparelho seja vasculhado para outros fins, o já conhecido “Fishing expedition”. Já os ministros Nunes Marques e Flávio Dino alertaram que, sem limites bem definidos, esse tipo de acesso pode acabar violando direitos à intimidade e à privacidade, garantidos pela Constituição.
A Defensoria Pública e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) defenderam que perícias sigam estritamente os limites da Constituição.
O defensor público Marcos Paulo Dutra Santos argumentou que o caso trata da esfera mais sensível da intimidade do cidadão, protegida pelos arts. 5º, X, XII e 79 da CF. Para ele, o conteúdo armazenado no celular não pode ser equiparado à transmissão de dados, por exigir proteção mais robusta.
Ele sustentou que o simples acautelamento do aparelho celular seria suficiente até a obtenção de autorização judicial, e citou precedentes do STF, do STJ e da Suprema Corte norte-americana, no caso Riley v. Califórnia.
Pelo IBCCRIM, o advogado Bruno Buonicore defendeu que o avanço tecnológico exige nova conformação constitucional, reconhecendo o celular como "um portal para a vida íntima do indivíduo". Para o instituto, a proteção dos dados digitais, após a EC 115/22, passou a ter fundamento constitucional próprio e aplicação imediata.
A matéria tem repercussão geral reconhecida (Tema 977), o que significa que a tese formulada pelo STF servirá de referência para casos semelhantes em todos os tribunais do país. No entanto, a formulação da tese foi adiada para outro momento e infelizmente não há prazo estabelecido para que a discussão volte ao Plenário.
Esta decisão gerou debates sobre os limites do acesso a dados de celulares encontrados na cena do crime, ou ainda no momento da prisão em flagrante, versus a proteção à privacidade e intimidade, afinal qualquer uma dessas medidas devem ser justificadas com base em elementos concretos e na proporcionalidade da medida, que deve ter sua abrangência delimitada à luz dos direitos fundamentais, à intimidade, à privacidade, à proteção dos dados pessoais e à autodeterminação informacional, inclusive nos meios digitais (art. 5º V e 79 da Constituição).
Aguardemos as cenas dos próximos capítulos, desta novela inglória!
Diego Lopes Oliveira Almagro
Advogado Criminalista